As mulheres que vivem em Salvador ganharam um reforço no time que tenta conquistar vitórias como qualidade de vida, geração de empregos e segurança. Reforço tímido, mas é uma vereadora a mais na Câmara Municipal (CMS), de uma bancada que saiu de oito para nove nomes femininos, que representam, pelo menos em gênero, 53% da população da capital nos espaços de Poder.

Os nomes são diversos, com prioridades que não são unanimidade. No entanto, o lugar de fala coloca Cris Correia (PSDB), Débora Santana (Avante), Ireuda Silva (Republicanos), Laina Crisóstomo (PSOL), Marcelle Moraes (DEM), Maria Marighella (PT), Marta Rodrigues (PT) e Roberta Caires (Patriota) em condição de compartilhar demandas que observam como urgentes para as mulheres da capital: geração de empregos, combate à violência contra a mulher e mais espaços de representatividade.

A bancada é formada ainda pela vereadora Cátia Rodrigues (DEM), que não foi encontrada para expor suas ideias.

“Salvador é uma cidade muito desigual socioeconomicamente, e essa desigualdade passa muito por questões raciais e de gênero. Por isso, precisamos de políticas que deem à mulher soteropolitana as condições necessárias para que ela se empodere, o que significa ampliar o acesso dela à educação e ao mercado de trabalho”, observou Ireuda Silva, que cita o SIMM Mulher como contribuição para esse ponto.

O serviço, inaugurado em agosto do ano passado, oferece atendimento personalizado para mulheres que estiverem em busca de emprego. O projeto que criou a unidade foi indicação da própria Ireuda, aprovado pela Câmara Municipal e acolhido, na época, pelo então prefeito ACM Neto.

Essa é uma plataforma que a vereadora Laina Crisóstomo, representante do mandato coletivo Pretas por Salvador, que conta ainda com Cleide Coutinho e Gleide Davis, pretende acionar em se tratando de mulheres em situação de violência. Isso porque um dos motivos que contribuem para a mulher permanecer no ciclo de violência doméstica é a dependência financeira de seus agressores.

Cris Correia, por sua vez, aposta na qualificação social como um desafio para a população da capital baiana como um todo, por acreditar que cidadãos educados e preparados são fundamentais para o que chamou de “um mundo melhor”. Em particular no caso das mulheres, a demanda está em inseri-las no mercado de trabalho e no mercado empreendedor.

As vereadoras Laina Crisóstomo (PSOL), Maria Marighella (PT) e Marta Rodrigues (PT) compõe o bloco de oposição da Casa. (Fotos: Antônio Queirós, Reginaldo Ipê e Valdemiro Lopes/ CMS | Montagem: bahia.ba)

É o que destaca também a petista Marta Rodrigues, que menciona um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o qual metade das casas brasileiras são chefiadas por mulheres. A condição de trabalho mergulha na informalidade e a maioria desse público é formado por mulheres negras.

Num cenário como esse, a vereadora tucana aposta no desenvolvimento de projetos e ações que promovam capacitações e acesso ao emprego, embora acredite que o empreendedorismo seja uma saída mais eficaz. Segundo Cris, as mulheres das camadas mais pobres e que moram nas periferias certamente não recebem salário que deem conta de outra pessoa cuidar de seu filho – ou filhos. Com isso, a demanda fica ou com a avó, com um vizinho ou até com o irmão mais velho.

“Essa é a realidade dessas mulheres. Inseri-las no mercado de trabalho não soluciona esse impasse, digamos assim. O ideal, se pensar em perspectiva de ideal, é que essas mulheres conseguissem desenvolver atividades que as dessem condições de serem remuneradas e também de cuidar da família”, acrescentou a vereadora, que ainda não tem uma proposta formulada sobre o assunto.

Uma alternativa defendida por Marta é a criação de centros de acolhimento infantil noturnos, com funcionamento até as 22 horas. Um projeto de lei chegou a ser aprovado na legislatura passada, mas foi vetado pelo prefeito ACM Neto. A intenção da vereadora é reapresentá-lo no retorno das atividades da Câmara, previsto para 2 de fevereiro.

“Era uma forma de empoderar as mulheres, permitir que elas trabalhem e estudem, ocupem os espaços e tenham onde deixar seus filhos. É muito dolorosa a realidade das mães de Salvador, que precisam ter várias funções pra dar conta de criar seus filhos. Quem precisa estudar à noite não tem onde deixar”, observou a vereadora.

Apoiadora do setor produtivo da cidade e disposta a criar uma Frente Parlamentar do setor na CMS, Roberta Caires aposta no fortalecimento da capacidade econômica das mulheres. Seja como empresárias, empreendedoras ou produtoras, o objetivo é dar autonomia e liberdade financeira às mulheres.

Creches e escolas fechadas

Um dos membros da oposição, Maria Marighella defende a criação de um plano de retomada econômica específico para mulheres trabalhadoras, capaz de contemplar a manutenção e a ampliação dos programas sociais, incluindo iniciativas de complementação de renda. A vereadora observa que a proposta elaborada pelo governo do estado e pela prefeitura de Salvador não contemplam as mulheres que não podem voltar ao trabalho com as creches e escolas fechadas.

Ainda não há uma proposta já elaborada para amenizar o impacto dessa realidade, uma vez que as mulheres mães não têm o suporte dessas unidades para deixar suas crianças enquanto trabalham, estudam ou buscam emprego. Desde março do ano passado as aulas presenciais estão suspensas devido à pandemia do coronavírus. Também não há previsão para retorno dessas atividades.

“As condições de trabalho estão piorando, as famílias estão empobrecendo. As mulheres trabalhadoras estão desempregadas, precarizadas ou ameaçadas pelo desemprego, lutando pela busca da renda das famílias”, reforça Maria.

A vereadora Ireuda Silva lembra que as creches e escolas dão liberdade para as mulheres buscarem mudança financeira capaz de desvinculá-las de seus agressores. Ela aguarda uma reunião com o prefeito Bruno Reis e a vice-prefeita Ana Paula Matos para tratar da ampliação do número de creches e dar condições para que as mulheres possam trabalhar.

Entre as novas vereadoras estão Cris Correia (PSDB), Roberta Caires (Patriota) e Débora Santana (Avante). (Fotos: Antônio Queirós, Reginaldo Ipê e Valdemiro Lopes/ CMS | Montagem: bahia.ba)

Violência doméstica precisa ser enfrentada

A violência doméstica e o feminicídio são algumas das demandas urgentes da população feminina de Salvador observadas pelas vereadoras. Não é novidade que agressões verbais e físicas estão presentes numa sociedade ainda machista e ainda patriarcal como a nossa. E é por esse comportamento continuar existindo que membros da bancada feminina defendem o fortalecimento da rede de enfrentamento à violência contra a mulher.

“A gente tem estruturalmente uma rede desmontada. A gente não sabe como está funcionando o Centro de Referência Loreta Valadares, que é conquista do movimento de mulheres; a gente não sabe como está funcionando a Casa Irmã Dulce, por exemplo. A gente tem poucas informações e sempre há disponibilidade de recursos muito reduzida. É sempre uma brechinha, sempre um pedaço. Não é investimento real para transformação da vida das mulheres”, observa Laina Crisóstomo.

A vereadora Marta Rodrigues chama a atenção para a necessidade de incluir os atores dessa rede de enfrentamento nas discussões sobre iniciativas a serem adotadas. Isso inclui as secretarias municipal e estadual de políticas para as mulheres, o Ministério Público, as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs), por meio da Polícia Civil, e a Ronda Maria da Penha, unidade da Polícia Militar especializada no atendimento às ocorrências de violência contra a mulher.

Uma unidade similar, mas na Guarda Municipal de Salvador, pode vir a compor essa rede. A proposta da vereadora Ireuda Silva está em tramitação na Câmara Municipal.

Acesso à saúde básica

Estreante na legislatura, a vereadora Débora Santana (Avante) observa o acesso à saúde básica como uma demanda urgente na capital baiana. Apesar de a cidade contar com o Hospital da Mulher, Débora critica fato de o atendimento na unidade básica deixar a desejar.

“Hoje a gente tem preventivo, mas não tem ginecologista para ler. Quando a mulher consegue receber o exame, já morreu de câncer ou desenvolveu até uma doença maior. Precisa fortalecer a base”, acrescenta.

Enfermeira de formação, Débora afirma já ter conversado com o secretário Leo Prates, titular da Secretaria Municipal de Saúde, para treinar enfermeiros, obstetras e ginecologistas na realização de exames preventivos. A categoria da qual faz parte já é autorizada a realizar esse procedimento na atenção básica.

Roberta Caires considera urgente também o planejamento familiar entre as camadas mais populares e o atendimento às mulheres gestantes, com atendimento em caso de gravidez de risco e acompanhamento no parto, pós-parto e período de amamentação. A vereadora defende ainda uma política contínua de prevenção de doenças graves, como os cânceres de mama e de colo de útero.

Apoio de vereadores à pauta feminina

Falar de nove mulheres na Câmara Municipal de Salvador é se referir a um grupo de 21%, sem poder de decidir sozinho pela aprovação ou não de projetos apresentados na Casa. O apoio dos demais 79%, todos homens e em sua maioria membros de partidos conservadores, é fundamental para o avanço de pautas que melhorem a qualidade de vida das mulheres e abram novas perspectivas de atuação. A representatividade importa e, mais do que isso, faz uma baita falta nesse espaços de Poder.

A vereadora Marcelle Moraes diz encontrar dificuldade para obter apoio dos colegas, que, segundo ela, acionam a carta do “direitos iguais”. A democrata defensora dos animais rejeita esse discurso e acredita em “direitos estabelecidos”.

“Falar de mulher na Câmara de Salvador ainda é muito difícil. Quando as mulheres falam à tribuna, os homens não param de conversar. Quando é um homem, eles param pra escutar. A Mesa [Diretora] não é mista. Podemos perceber também que poucas mulheres são presidentes de comissões na Câmara Municipal de Salvador. Isso precisa ser revisto”, defende.

Marcelle promete para o início do novo mandato parlamentar a apresentação de duas proposições para diminuir essa disparidade. Uma torna obrigatória a presença de mulheres na composição da Mesa Diretora e a outra estabelece um tempo de fala para as vereadoras, similar ao que já existe como tempo de partido.

As vereadoras Ireuda Silva, Débora Santana, Cris Correia e Roberta Caires têm pontos de vista diferentes. Todas acreditam que não deverão encontrar dificuldades na aprovação de projetos que beneficiem as mulheres, pelo contrário, os colegas serão, inclusive, aliados.

“Mesmo formando esmagadora maioria, os meus colegas vereadores são muito sensíveis à luta das mulheres, mostrando-se bons aliados”, avalia a veterana.

Da legislatura passada para a atual, se mantiveram na Câmara as vereadoras Cátia Rodrigues (DEM), Marcelle Moraes (DEM) e Ireuda Silva (Republicanos). (Fotos: Antônio Queirós, Reginaldo Ipê e Valdemiro Lopes/ CMS | Montagem: bahia.ba)

A vereadora tucana acredita que hoje não só as mulheres estão conscientes de seus direitos, mas os homens também já perceberam que as mulheres têm adotado uma postura mais firme quanto aos espaços que merecem e devem ocupar. Cris Correia diz se recusar a acreditar, por outro lado, que os vereadores deixem de votar um projeto que represente um avanço social por puro preconceito de gênero.

“Até porque, se for parar pra pensar, hoje você vê movimento político institucional nessa direção”, acrescenta, mencionando diretorias, secretarias e ministérios direcionados para formular e executar políticas públicas para as mulheres.

Independentemente de divergências quanto à percepção de cada vereadora, uma observação é ponto comum: a necessidade de ampliar a presença feminina nesses espaços. Isso começa com a paridade de gênero nos partidos, segue pela indicação de mulheres eleitas para presidir comissões no Legislativo e, antes de tudo, se fortalece na autopercepção das mulheres enquanto indivíduos capazes de chegar a esses lugares.

“Não é só mudança na Câmara, mas de mentalidade feminina na comunidade. Quando ela vê mulheres que podem representar, às vezes o voto é no que você se enxerga. Está faltando às mulheres estarem nessa união. Ainda tem esse estigma da mulher não confiar na outra mulher”, observa Débora.

Por Estela Marques / Bahia.Ba

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