O bloco Brics sai de sua 15ª reunião de cúpula ampliado no número de membros e na ambição de ter mais voz no debate econômico com os países ricos. Encerrado nessa quinta-feira (24/8) em Joanesburgo, na África do Sul, o encontro de chefes de Estado avançou em tratativas por uma moeda comum para negócios entre os países emergentes. A reunião serviu ainda para buscar interesses em comum entre 11 nações de diferentes partes do mundo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), celebrou o apoio dos demais membros do Brics a uma pauta que ele traz de seus outros mandatos: a reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

“Estamos brigando há mais de 20 anos nisso. Entendemos que a geopolítica de hoje não tem nada a ver com a de 1945 [quando a ONU foi criada]. É importante que a ONU tenha representatividade, que possa deliberar coisas que as pessoas acatem, que as pessoas obedeçam, sobretudo nesse momento que a gente discute a questão climática”, disse o petista, em entrevista coletiva antes de deixar Joanesburgo e ir para Luanda, capital de Angola, onde continua o tour pela África. O mandatário ainda vai passar por São Tomé e Príncipe.

Vitória para Rússia e China

No noticiário internacional, o resultado da cúpula do Brics está sendo visto como uma grande vitória diplomática para a China, que ganhou mais apoio em sua disputa econômica com os Estados Unidos, e para a Rússia, que rebate a sensação de isolamento mundial como consequência de sua guerra contra a Ucrânia.

Foram convidados a entrar no Brics a Argentina, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes, o Egito, a Etiópia e o Irã. Havia 22 pedidos oficiais de países para ingressar no grupo, e seus membros originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) deixaram as portas abertas para novas entradas.

O incremento do Brics majoritariamente com ditaduras incomodou a diplomacia brasileira, que teme o enfraquecimento de pautas ligadas a direitos humanos e mudanças climáticas nas decisões tomadas em grupo. Mas o Brasil cedeu (principalmente aos pedidos da China) em troca do apoio geral no sentido de pressionar a ONU por reformas na governança.

Promessas e dúvidas

O cientista político Julián Durazo-Herrmann, pesquisador e professor na Universidade do Quebéc em Montreal (UQAM), no Canadá, avalia que o crescimento do Brics é “um fato significativo na dimensão geopolítica, pois incomoda a pretendida hegemonia global dos Estados Unidos”.

“O fato de vários países desejarem se juntar ao Brics enquanto há uma guerra da Rússia contra a Ucrânia e uma disputa entre China e EUA mostra que há muitos descontentes com as posições americana e europeia no balanço de poder”, afirma Durazo-Herrmann, que pesquisa a política da América Latina, em entrevista ao Metrópoles.

Por outro lado, ainda há um longo caminho pela frente, alerta o cientista político, para que o Brics signifique uma ameaça real à hegemonia dos países da América do Norte e Europa. “A cúpula trouxe muitas promessas, além de muitas dúvidas. A entrada de países grandes e diferentes pode fortalecer, mas também pode esvaziar o poder de decisão do grupo”, ressalta Durazo-Herrmann.

Em sua análise dos resultados da cúpula, o pesquisador sublinha ainda que, se do ponto de visto geopolítico, o Brics apresenta resultados, com a inclusão de novos membros, na dimensão econômica, que motivou a criação do bloco há quase duas décadas, não houve grande avanço este ano.

A principal promessa é que as equipes econômicas dos membros vão trabalhar para criar a proposta de uma moeda que sirva para os sócios negociarem entre si, ficando menos dependentes do dólar. Os chefes de Estado do grupo só irão se debruçar sobre o tema na próxima reunião de cúpula, já marcada para a Rússia, em 2024.

Repercussão

O The New York Times, principal jornal do país que tem a hegemonia desafiada pelo Brics, ouviu analistas que não se assustaram muito com a ampliação do bloco. Tom Lodge, professor de estudos sobre paz e conflitos na Universidade de Limerick, disse ao jornal que o plano para que o Brics se torne uma organização real está em processo de construção. No entanto, tem ainda um longo caminho a percorrer.

O jornal norte-americano também apontou que os países que se juntaram ao Brics “não têm nenhuma coerência política clara, exceto no desejo de remodelar o atual sistema financeiro e de governo global para um que seja mais aberto, mais variado e menos restritivo – e menos sujeito às políticas americanas”.

Um outro analista ouvido pelo NYT disse que a inclusão do Irã, inimigo dos EUA, “é um problema” e que mesmo alguns dos outros membros do Brics “temem que isso possa aumentar as tensões geopolíticas com as potências ocidentais”.

Lula foi confrontado com perguntas sobre a inclusão de ditaduras no grupo na entrevista em Joanesburgo e respondeu que as adesões foram guiadas pela importância geopolítica dos países.

“Não podemos negar a importância geopolítica desses países”, disse o presidente brasileiro. “O Irã é um país importante, fico muito feliz quando vejo que o Irã está conversando com o mundo árabe, está tentando se colocar de acordo com a Arábia Saudita… Isso é uma mudança de comportamento da humanidade. A gente vai vivendo, vai apanhando e vai aprendendo”, argumentou Lula.

“Ninguém pode negar a importância mundial da China”, frisou Lula. “Se teve alguém que tirou proveito da ganância do capitalismo, foi a China. Nos anos 1970 e nos anos 1980, quando o capital ia para a China atrás de trabalho escravo, a China soube tirar proveito dessa ganância e se transformou num dos países mais desenvolvidos do mundo do ponto de vista científico e tecnológico. E o PIB chinês já passou ou vai passar o PIB americano. Então, são países que não podem ficar fora de qualquer agrupamento político que se queira fazer, seja para discutir economia, seja para discutir ciência e tecnologia, seja pra discutir cultura”, concluiu o presidente brasileiro.

Fonte: Metrópole

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