A comunidade Aracaçá, na terra indígena Yanomami, em Roraima, foi encontrada queimada e vazia após as suspeitas de que uma menina de 12 anos teria sido estuprada e morta e uma criança de 3 anos teria caído num rio e desaparecido, segundo um conselho indígena que esteve no local.

As investigações ainda estão em andamento, mas líderes indígenas consultados pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY) afirmaram que esses povos têm a tradição de queimar e evacuar o lugar onde moram se algum parente morre.

Na última segunda (25), Júnior Hekurari Yanomami, presidente do grupo, publicou um vídeo nas redes sociais dizendo que recebeu relatos das violências, supostamente praticadas por garimpeiros ilegais que invadiram o território na região de Waikás.

Ele então avisou as autoridades e, na quarta (27), acompanhou uma comitiva ao local com equipes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) – a missão que partiria na terça (26) foi interrompida por questões climáticas.

Quando chegaram, a comunidade estava em chamas e não havia nenhum indígena. Eles só apareceram 40 minutos depois, para resgatar materiais de garimpeiros, de acordo com nota divulgada pelo conselho nesta sexta (29). Um vídeo feito por Júnior mostra resquícios do fogo e casas queimadas.

"Após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 0,5 gramas de ouro para manter o silêncio. Relataram ainda que outros crimes já aconteceram na região e que recentemente um recém-nascido foi levado para a capital de Boa Vista por um garimpeiro que alegava ser pai da criança", diz o comunicado.

A comitiva retornou na manhã quinta (28) para procurar indícios ou informações que ajudassem nas investigações, mas os indígenas haviam deixado o local e havia apenas as marcas do incêndio.

"Percebe-se através dos vídeos que esses indígenas foram coagidos e instruídos a não relatar qualquer ocorrência que tenha ocorrido na região, dificultando a investigação da Polícia Federal e Ministério Público Federal, que acabaram relatando não haver qualquer indício de estupro ou desaparecimento de criança", continua.

Os órgãos que foram ao território divulgaram notas parecidas à imprensa entre quinta e sexta, informando apenas que não encontraram indícios de crimes na região e afirmando que as apurações continuariam.

"Após extensas diligências e levantamentos de informações com indígenas da comunidade, não foram encontrados indícios da prática dos crimes de homicídio e estupro ou de óbito por afogamento, conforme narrados na denúncia em epígrafe. As equipes, portanto, ainda estão em diligência em busca de maiores esclarecimentos", escreveram a PF e a Funai.

O MPF disse que "as diligências demonstraram a necessidade de aprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos. O MPF ressalta que a investigação, empreendida por diversos órgãos, encontra-se em andamento e que mais informações apenas serão divulgadas quando da conclusão dos trabalhos".

Os líderes indígenas que se reuniram nesta sexta para examinar as imagens da aldeia queimada, a pedido do Condisi-YY, também analisaram o local onde supostamente o corpo da menina yanomami foi cremado, segundo as tradições. "Constatou-se que ocorreu um óbito", afirmou o grupo.

Também nesta sexta, os ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux citaram o caso durante sessão do STF (Supremo Tribunal Federal) que derrubou mudanças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no funcionamento de conselhos ambientais.

Ele classificou o caso como "gravíssimo" e ela cobrou investigações: "As mulheres indígenas são massacradas sem que a sociedade e o estado tomem as providências eficientes para que se chegue a era dos direitos humanos para todos, não como privilégio de parte da sociedade", declarou a ministra.

A reportagem não conseguiu contato com Júnior Hekurari Yanomami, com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal neste sábado (30).

Em 12 de abril, a Hutukara Associação Yanomami publicou o relatório "Yanomami Sob Ataque: Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami e Propostas para Combatê-lo". O documento diz que o garimpo ilegal avançou 46% entre 2020 e 2021. Se comparado o período de 2016 a 2020, o aumento foi de 3.350%.

Ainda de acordo com o relatório, a extração ilegal de ouro e cassiterita na terra indígena provocou uma explosão dos casos de malária e de outras doenças infectocontagiosas e um aumento da contaminação por mercúrio dos rios.

O documento aponta também que garimpeiros estariam abusando sexualmente de mulheres e meninas após embriagarem pessoas das comunidades, inclusive usando a troca de alimentos.

Por Folhapress

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